O futebol brasileiro vem passando por um processo de modernização nos últimos anos, impulsionado pela necessidade de profissionalização da gestão dos clubes e pela busca por sustentabilidade financeira. Nesse contexto, surgiu a Lei da SAF (Lei nº 14.193/2021), que criou a figura da Sociedade Anônima do Futebol, um novo modelo jurídico para estruturar clubes de futebol com bases empresariais.
Neste artigo, você vai entender o que é SAF, como ela funciona na prática, quais são as obrigações jurídicas envolvidas e os principais impactos para clubes, investidores e demais agentes do esporte.
O que é a Lei da SAF (Lei nº 14.193/2021)
A Lei da SAF foi sancionada em agosto de 2021 com o objetivo de permitir que clubes de futebol organizados como associações civis possam se transformar em empresas, ou criar uma empresa separada para gerir sua atividade futebolística. Essa nova estrutura tem como foco principal a sustentabilidade financeira, a transparência na gestão e a atração de investimentos.
A SAF é, portanto, uma sociedade empresária constituída exclusivamente para administrar o futebol profissional. Ela pode surgir de três formas: pela transformação do clube associativo em SAF; pela cisão do departamento de futebol do clube; ou pela criação de uma SAF totalmente nova, com posterior transferência dos direitos do futebol.
A Lei nº 14.193/2021 também trouxe dispositivos específicos sobre governança, regime tributário, responsabilidade de dirigentes, mecanismos de controle e recuperação judicial, o que faz dela uma legislação inovadora no esporte brasileiro.
Diferenças entre clube associativo e clube SAF
A principal diferença entre um clube associativo e uma SAF está na natureza jurídica e na estrutura de gestão.
O clube associativo é uma entidade sem fins lucrativos, com base em estatutos e votações de associados. Suas decisões geralmente passam por assembleias e conselhos deliberativos.
Já a SAF é uma sociedade empresária com fins lucrativos. Sua gestão é mais profissionalizada, voltada para resultados, com responsabilidades definidas por lei e pela estrutura societária, como o conselho de administração e a diretoria executiva.
Enquanto o clube associativo depende de receitas como bilheteria, patrocínios e venda de atletas, a SAF pode captar recursos por meio de investimentos diretos, emissão de debêntures-fut, acesso ao mercado de capitais e outros instrumentos financeiros típicos do ambiente empresarial.
Principais obrigações jurídicas da SAF
A Lei da SAF impõe uma série de obrigações legais e administrativas, como:
Elaboração de demonstrações financeiras auditadas
Publicação de relatórios de governança
Cumprimento de regras específicas de compliance
Constituição de fundos para pagamento de dívidas trabalhistas e cíveis do clube original
Registro como sociedade empresária na Junta Comercial
Criação de estatuto social compatível com a Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76), com adaptações previstas na Lei da SAF
Além disso, a SAF precisa adotar práticas de governança que garantam transparência, controle interno e prestação de contas. Isso representa um avanço importante em relação ao modelo tradicional.
Como a SAF impacta contratos com atletas, fornecedores e credores
A criação de uma SAF pode impactar significativamente os contratos existentes do clube. A legislação prevê que, ao migrar sua operação de futebol para a SAF, o clube pode manter os contratos anteriores (com atletas, técnicos, fornecedores), que serão sub-rogados ou assumidos pela nova entidade. Também pode optar por iniciar novos contratos, deixando os antigos sob responsabilidade do clube associativo.
Para os credores, a SAF oferece garantias distintas. Parte da receita líquida pode ser destinada à quitação de dívidas anteriores do clube, e há um regime específico de recuperação judicial ou extrajudicial, além do mecanismo de centralização de execuções.
Responsabilidade dos dirigentes na estrutura SAF
Um dos pontos sensíveis da Lei da SAF é a responsabilização dos administradores. A norma prevê que dirigentes que agirem com dolo, fraude ou má gestão podem ser responsabilizados civil e criminalmente, com base no Código Civil, na Lei das S.A. e na própria Lei da SAF.
Há também exigência de seguro de responsabilidade civil para administradores (D&O) e a possibilidade de responsabilização solidária, o que representa um avanço importante no combate à má gestão crônica dos clubes brasileiros.
Aspectos tributários e trabalhistas envolvidos
Do ponto de vista tributário, a SAF pode optar pelo regime fiscal específico da Lei da SAF, com alíquota única de 5% sobre a receita bruta nos cinco primeiros anos, reduzindo para 4% após esse período. Isso inclui tributos como IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins.
No campo trabalhista, a SAF segue as normas da CLT, mas com maior previsibilidade para acordos e contratos. A profissionalização da gestão tende a reduzir passivos trabalhistas futuros, desde que haja cumprimento rigoroso da legislação.
Considerações jurídicas para investidores
Para investidores, a SAF representa uma oportunidade com alto potencial de valorização, mas que exige cautela jurídica. É fundamental realizar:
Due diligence jurídica e contábil sobre o clube e a SAF
Avaliação de riscos regulatórios e judiciais
Estudo do estatuto social da SAF e dos acordos de acionistas
Verificação de passivos ocultos e obrigações trabalhistas do clube de origem
A Lei da SAF também prevê instrumentos como as debêntures-fut, títulos de dívida que podem ser emitidos pela SAF e são convertíveis em ações. Esse é um atrativo para investidores com perfil de médio a longo prazo.
Recomendações jurídicas
A Lei da SAF representa um marco para o futebol brasileiro, abrindo portas para a profissionalização da gestão, atração de investimentos e maior controle financeiro. No entanto, sua adoção exige um profundo entendimento jurídico, planejamento estratégico e atenção aos riscos.
Para clubes, é essencial contar com assessoria jurídica especializada para estruturar a SAF de forma segura e legalmente eficaz. Para investidores, a análise técnica da viabilidade e dos riscos é indispensável para garantir que a operação seja sustentável no longo prazo.
Entender o que é SAF e seus desdobramentos jurídicos deixou de ser uma curiosidade para se tornar uma necessidade estratégica para quem atua no universo do esporte profissional no Brasil.