A prática esportiva no Brasil, especialmente no futebol, envolve regras específicas tanto dentro quanto fora do campo. Além das regras técnicas do jogo, existe uma estrutura jurídica própria para lidar com infrações disciplinares e questões relacionadas à ética, conduta e organização das competições. Para isso, foi criado o CBJD, sigla para Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que funciona como a principal norma disciplinar do esporte nacional.
Neste artigo, você vai entender o que é o CBJD, como ele funciona na prática, quem o aplica e qual a relação dele com a Justiça Comum. O conteúdo é útil para atletas, clubes, dirigentes e advogados que atuam ou desejam atuar na área esportiva.
Por que existe uma Justiça Desportiva própria no Brasil?
A Constituição Federal de 1988 reconhece, em seu artigo 217, a autonomia das entidades desportivas e prevê a existência de uma Justiça Desportiva específica para resolver conflitos relacionados à disciplina e às competições. O objetivo dessa estrutura é garantir agilidade e rapidez nos julgamentos, respeito à autonomia do esporte e decisões técnicas proferidas por especialistas no assunto.
Assim, o sistema esportivo brasileiro conta com tribunais próprios, que atuam de forma independente do Judiciário tradicional, salvo em casos excepcionais. O Código Brasileiro de Justiça Desportiva regula essa estrutura e estabelece os procedimentos a serem seguidos nas esferas disciplinares esportivas.
O que é o CBJD e qual sua finalidade
O CBJD é o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, criado pela Resolução nº 29 do Conselho Nacional do Esporte e atualmente regulamentado pela Resolução CNE nº 147/2023. Ele é o documento que estabelece normas, sanções e procedimentos para julgar condutas antidesportivas, infrações disciplinares, questões relativas à organização das competições e outras ocorrências no ambiente esportivo.
Sua aplicação abrange todas as modalidades esportivas organizadas por entidades filiadas ao sistema nacional do desporto, como confederações, federações e ligas. O CBJD é, portanto, essencial para garantir a ordem, o respeito às regras e a integridade das competições esportivas no Brasil.
Estrutura da Justiça Desportiva: STJD, TJDs e comissões disciplinares
A Justiça Desportiva está estruturada em diferentes níveis, dependendo da abrangência da competição:
- STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva): é o órgão de última instância da Justiça Desportiva em nível nacional. Atua em competições organizadas por confederações, como o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil. Cada esporte possui o seu próprio STJD.
- TJD (Tribunal de Justiça Desportiva): funciona em nível estadual e julga competições organizadas por federações locais de cada modalidade.
- Comissões disciplinares: são formadas por auditores e realizam o julgamento em primeira instância. Elas estão vinculadas ao TJD ou ao STJD, conforme o caso.
Esses órgãos são compostos por auditores com formação jurídica e conhecimento técnico na área esportiva. Os mandatos são temporários, não remunerados e a atuação dos membros deve ser imparcial e baseada nas normas do CBJD.
Quais infrações são julgadas pelo CBJD
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva trata de diversas infrações que podem ocorrer no contexto esportivo, como:
- Agressões físicas e verbais a árbitros, adversários e torcedores
- Escalação irregular de atletas
- Manipulação de resultados
- Atrasos ou abandonos de partidas
- Atos discriminatórios ou de intolerância
- Irregularidades administrativas cometidas por clubes ou dirigentes
As penas variam conforme a gravidade da infração e podem incluir advertência, multa, suspensão, perda de pontos, exclusão de competição, entre outras sanções.
Procedimentos: denúncia, julgamento, recursos
O processo na Justiça Desportiva começa, normalmente, com uma denúncia apresentada pelo procurador da respectiva instância. Essa denúncia pode ter como base a súmula da partida, imagens de vídeo ou outros documentos comprobatórios.
A seguir, o caso é encaminhado para uma comissão disciplinar, que realiza o julgamento em sessão pública. O atleta, clube ou parte denunciada tem o direito de se defender, por meio de advogado ou defensor constituído.
Após a decisão da comissão, é possível interpor recurso para o Pleno do TJD (em âmbito estadual) ou para o STJD (em âmbito nacional). Em casos excepcionais, é possível recorrer ao Pleno do STJD. A Justiça Comum só pode ser acionada depois de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva e só em casos excepcionais, sob pena de sanções à parte que descumprir essa regra.
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Relação entre Justiça Desportiva e Justiça Comum
A Justiça Desportiva não substitui o Judiciário tradicional, mas atua de forma paralela e especializada. A Constituição estabelece que o Judiciário só deve ser acionado após esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva.
Essa regra visa proteger a autonomia esportiva e evitar interferências externas em decisões técnicas. No entanto, casos que envolvam direitos fundamentais, como liberdade de expressão, questões trabalhistas ou danos à imagem, podem ser analisados diretamente pela Justiça Comum.
Exemplo prático de um julgamento esportivo
Um exemplo comum envolve a expulsão de um jogador por agressão durante uma partida. Após o jogo, o árbitro registra o ocorrido na súmula. Com base nesse documento, a procuradoria do tribunal desportivo oferece a denúncia.
O atleta é julgado por uma comissão disciplinar, podendo ser punido com suspensão por determinado número de partidas. Caso considere a punição injusta, ele pode recorrer ao TJD ou STJD, dependendo da instância da competição.
Esse fluxo ilustra como o CBJD organiza e garante o devido processo legal dentro do esporte, respeitando prazos, contraditório e ampla defesa.
Críticas e debates jurídicos atuais sobre o CBJD
Apesar de sua importância, o CBJD é alvo de críticas e debates jurídicos. Um dos pontos discutidos é a composição dos tribunais, que muitas vezes são formados por membros indicados por entidades de administração do esporte, o que pode gerar questionamentos sobre imparcialidade.
Outro ponto controverso diz respeito à autonomia da Justiça Desportiva, especialmente quando suas decisões impactam direitos fundamentais. Também há discussões sobre a necessidade de maior transparência e modernização dos procedimentos, incluindo digitalização de processos e mais clareza nas decisões publicadas.
Também é importante destacar a necessidade de profissionalização dos membros (Auditores e Procuradores), com remuneração digna e condizente com a importância do cargo. Já passou a hora de remunerar os membros da Justiça Desportiva para que se pare de depender de trabalho voluntário para uma função tão importante e, em alguns casos, com repercussões em grandes competições e com renomados atletas.
Esses debates são importantes para o fortalecimento do sistema e para garantir que a Justiça Desportiva cumpra seu papel com legitimidade e eficiência.
Orientações jurídicas preventivas para atletas e clubes
Conhecer o CBJD é essencial para todos os agentes envolvidos com o esporte, especialmente atletas, dirigentes e advogados. A prevenção é o melhor caminho para evitar sanções, prejuízos financeiros e danos à imagem institucional.
Algumas orientações práticas incluem:
- Ter acompanhamento jurídico especializado em competições oficiais
- Treinar atletas e comissões técnicas sobre condutas permitidas e proibidas
- Monitorar a regularidade da inscrição de atletas e demais aspectos administrativos
- Estar atento aos prazos e formas de defesa em caso de denúncia
O CBJD é mais do que um conjunto de normas. Ele representa uma ferramenta jurídica fundamental para garantir o equilíbrio, a justiça e a disciplina no esporte brasileiro.